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segunda-feira, 30 de maio de 2011

Crônica - Prêmio Proex de Literatura*

O décimo terceiro cigarro**




Peguei mais um cigarro na carteira esfumaçada. Era o meu décimo segundo daquela noite. Saboreava cada tragada com a leveza de minha insana juventude.

Meu celular vibrava de vez em quando anunciando uma chamada continuamente rejeitada aquela noite. A mesinha de centro da sala estava cheia de cinzas de cigarro e de um pouco de vinho que derramei.

Ouvia músicas que tilintavam na minha cabeça misturadas a lembranças ininterruptas. Tentei formar letras com a fumaça do cigarro como a lagarta de Alice, mas apenas via formas indefinidas que saiam pela janela de onde vinha o vento frio do inverno.

Nevava. E eu estava vestida apenas com um moletom velho e uma calça de algodão. Todavia, me sentia segura com o frio, como se absolutamente nada me pudesse atingir naquele momento.

Minha taça de vinho trazia uma marca de batom. Nem parecia que há poucos minutos eu teria ido a uma festa não fosse a imensa vontade de me jogar do oitavo andar do meu prédio.

Levantei-me do sofá e fui à geladeira. Peguei um pote de sorvete que o Pedro havia deixado lá pela manhã ciente de que eu odeio sorvete. Peguei uma colher e liguei a TV onde estavam passando programas baratos e sem sentido algum. Tomei quase todo o sorvete a colheradas lentas e irrisórias.

O celular não parava de tocar, o que me irritava. Deixei o pote de sorvete semi vazio na mesinha e peguei o celular, não sem antes pegar meu décimo terceiro cigarro e acendê-lo com o isqueiro dourado.

Caminhei a passos nus até a sacada do prédio e fiquei olhando o movimento da rua. Poucos carros passavam por lá, afinal, já passava das três da manhã.

Tirei o moletom lentamente e a calça de algodão também. Toquei meus seios por cima do sutiã sentindo arrepios a cada curva. Tirei-o. E por último a calcinha cor de vinho. Vi-me completamente desnuda na sacada do prédio. Apenas com um celular na mão direita e o décimo terceiro cigarro na esquerda.

Não sei se alguém me viu. Mas isso nem importava, afinal, eu morria agora.

Acabei de fumar o último cigarro da minha vida e larguei o celular no chão da sacada. Ele já não tocava mais. Desistiram de mim, afinal.

Debrucei-me sobre a sacada e fiquei sentindo o extremo frio em meus ossos frágeis. Eu só sentia aquela fragilidade humana barata. Eu era uma Verônika de Paulo Coelho, por isso me joguei do prédio.









Rayane Ataíde




* Em parceria com a Diretoria de Cultura da UFPA (DAC/PROEX) o Prêmio PROEX de Literatura vem com o objetivo de incentivar e premiar a produção literária na universidade. Todos os textos selecionados vão ser publicados em uma Antologia.


** Texto selecionado na categoria Crônica.

Resultado: http://www.proex.ufpa.br/arquivos/documentos/result_premio_literatura2.pdf

terça-feira, 22 de março de 2011

“Mãe, eu nasci no corpo errado!”

Sobre crianças trangêneros



No meu cantinho, na minha cadeirinha
Eu posso ser o que eu quero ser
Nas asas da minha fantasia
Eu posso voar para um mundo novo
E o mundo irá abrir os braços para mim*






Segundo o site Wikipédia, Transexualidade é considerada pela Organização Mundial da Saúde como um tipo de transtorno de identidade de gênero. Refere-se à condição cuja expressão de gênero não corresponde ao papel social atribuído ao gênero designado para as pessoas no nascimento. São aquelas pessoas que, pelas características biológicas, são do sexo masculino ou feminino, mas se sentem como um membro do sexo oposto, podendo até viver como tal.
Segundo um artigo do Dr. Norman Spack**, o desconforto que sofrem é chamado de disforia de gênero e é uma condição rara que ainda não tem explicação.
  




Ao longo da história

Segundo a Wikipédia, não existem referências disponíveis a respeito de homens vivendo como mulheres ou vice-versa antes do Império Romano. Todavia, vários imperadores romanos são descritos por se travestirem (transexuais, travestis e transgêneros) ou apresentarem características afeminadas.
Dentre os casos, destacaram-se o caso de Nero, que após chutar sua esposa grávida, Poppaea, até a morte, arrependeu-se e, tomado de remorsos, buscou alguém parecido com ela. Encontrando em um escravo, Sporus, essa semelhança. Nero então ordenou a seus cirurgiões que o transformassem em mulher. Após a cirurgia os dois se casaram formalmente – inclusive com direito a véu de noiva e enxoval – e Sporus viveu como mulher a partir de então.
O outro caso refere-se ao imperador romano Heliogábalo que se casou formalmente com um poderoso escravo, adotou o papel de esposa e oferecia metade de seu império ao médico que o equipasse com uma genitália feminina.
Além desses casos, conta-se (lenda ou não) que no século IX teria existido o Papa João VIII nomeado em 855 sucessor do Papa Leão IV, e que na verdade, ele seria uma mulher travestida de homem que teria engravidado e morrido ao dar à luz um bebê. Segundo NEW e KITZINGER (1993), esse Papa teria nascido mulher com o possível nome de Giliberta, e adotou o nome masculino de “John Anglicus”. Ele foi papa por 2 anos, 7 meses e 4 dias. As autoras especulam que o Papa João VIII poderia ter realmente sido uma mulher com deficiência de 21 – hidroxilase, ou seja, uma pseudohermafrodita feminina. De qualquer forma, a história transformou-se em filme de Michael Anderson chamado “Pope Joan”, com Liv Ullmann no papel principal.
  




Questão de nome – o Nome Social

Ainda segundo o site Wikipédia, define-se o nome social como o nome pelo qual pessoas com transtorno de identidade de gênero preferem ser chamadas cotidianamente, aquele nome que entra em contraste com o nome oficialmente registrado no nascimento. Caso algumas pessoas não saibam, o site afirma que é possível transexuais com menos de 18 anos alterar o nome nas listas de chamadas e quaisquer coisas que utilizem seu nome de nascença na escola, desde que tenham a autorização dos pais. Além disso, eles também possuem o direito de usar a fila do gênero-alvo, bem como o banheiro, se assim desejarem.
No Brasil, a Universidade Federal do Amapá foi pioneira na adoção do nome social para seus estudantes. Também, segundo a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), há iniciativas no mesmo sentido em andamento em outros estados, como Minas Gerais, Amazonas, Piauí, Pará, Goiás e Paraná. Essa decisão foi tomada por escolas que evitam quaisquer tipos de preconceito e que prezam pela integridade de seus alunos.





My Secret Self - A Story of Transgender Children



                                        Jess Jennings



Quase todos os adultos transgêneros, segundo o Dr Norman Spack, relatam a sensação de estar no corpo errado desde a infância, todavia, a idade em que um indivíduo se reconhece como trans, varia desde meados da infância até a meia idade. Por isso, engana-se quem pensa que só adultos podem ser transgêneros, algumas crianças lidam com o sofrimento por conta de sua rejeição ao próprio corpo e mais ainda pelo preconceito.
Segundo um estudo da Universidade de São Francisco, estima-se que crianças transexuais rejeitadas pela família são quatro vezes mais sucessíveis ao suicídio e abuso de drogas quando adultas.
O documentário My Secret Self - A Story of Transgender Children, exibido pela norte-americana ABC em abril de 2007, vem para nos contar a história de três famílias que tem em comum casos de crianças trasgêneros.
Jess tem seis anos de idade e aos dois perguntou a mãe, Renée Jennings, quando a fada madrinha viria e transformaria seu pênis em uma vagina.
Riley tem dez anos e nasceu Richard. Em entrevista para o documentário, a jornalista Barbara Walters lhe pergunta sobre quando ela era pequena, o que ela queria que os outros soubessem e que eles não sabiam, ao que Riley responde: “Que eu era menina”.
Jeremy nasceu Rebecca e aos catorze anos escreveu uma carta aos seus pais contando ser transexual feminino-para-masculino. Hoje, aos dezessete anos, ele toma hormônios há um ano e pretende remover os seios antes de ir para a faculdade.
Segundo o blog Etologia no dia-a-dia, o diagnóstico de crianças transgêneros na América do Norte e na Europa tem aumentado e, embora a decisão seja dividida entre os psicólogos e psiquiatras, os pais tem permitido a livre expressão da criança. Na Holanda, especialistas já acompanham a transformação de crianças em transexuais a partir dos 6 anos de idade, além de fazer a cirurgia a partir de 16 anos.
A meu ver, esse documentário veio com o intuito de esclarecer o assunto, além mostrar a vida dessas famílias e tentar diminuir o preconceito. É um assunto interessante. Vale a pena conferir.


Obs: Infelizmente tive problemas para anexar os vídeos, então vou colocar aqui um link de um blog onde dá para assistir o documentário na íntegra:

http://www.noghetto.caixadepandora.com.br/2011/01/17/transexualidade-na-infancia/










Outros casos

“Olá. O meu nome é Josie. Faço aniversário no dia 16 de Abril. Sou uma menina. E tenho um pênis.”

                                        Josie Romero


Um dos casos mais conhecidos sobre crianças transgêneros é o de Josie Romero, uma criança de oito anos que mora no Arizona, Estados Unidos. Josie é biologicamente menino e se chamava Joey.
A história de Josie fez parte do documentário Sex, lies, and gender, exibido pela National Geographic.
Segundo sua mãe Vanessia, Josie sempre afirmou que era uma menina, mas só foi diagnosticada como trangênero aos seis anos de idade, quando finalmente passou a ser tratada como alguém do sexo feminino.
A menina, que já teve seus documentos trocados e agora chama-se oficialmente Josie, está sendo acompanhada por médicos e psicólogos e deverá ingerir hormônios femininos quando completar 12 anos. Além de, segundo sua mãe, provavelmente ser submetida a uma cirurgia para mudança de sexo, mas isso, somente quando ela for adulta.
Mais uma pessoa que foi notícia foi a cantora alemã Kim Petras, que nasceu Tim. Kim começou o tratamento para mudança de sexo aos 12 anos transformando-se na transexual mais jovem do mundo depois de passar por uma operação aos 16 anos.

                                           Kim Petras


Outro caso foi o abordado pela revista The Atlantic. Ao tentar ser convencido pela mãe que Deus o tinha feito homem “por uma razão especial”, o garoto Brandon Simms, então com cinco anos, respondeu: “Deus cometeu um erro”.

                                  Brandon Simms





O transexual no Brasil

Não se sabe ao certo quantos transexuais existem no Brasil, mas segundo uma notícia vinculada no site TERRA, a professora universitária e assistente social Esalba Silveira diz que, mundialmente, entre os homens, o transtorno de gênero ocorre entre 1 para 37 mil e 1 para 100 mil. Já entre as mulheres essa taxa cai para entre 1 para 103 mil e 1 para 400 mil.
Querendo ou não, o assunto da transexualidade no Brasil (não que seja absolutamente diferente em outros países) ainda é um grande tabu. Segundo uma matéria vinculada pelo Blog PÁGINA 22, no país ocorreram 59 assassinatos de transexuais em 2008, 68 em 2009 e 74 em 2010 (até o mês de novembro).
Mas apesar desses dados, o Brasil ainda pode ser orgulhar, pois, finalmente foi criado na cidade de São Paulo o primeiro ambulatório para travestis e transexuais do país.
Segundo o Portal do Governo do Estado de São Paulo, a Secretaria da Saúde inaugurou em junho de 2009 um centro com profissionais especializados em lidar com as dificuldades e demandas específicas desses grupos sociais.






P.S:
 
Uma coisa que não se deve confundir é a questão da homossexualidade com a transexualidade. Não é a mesma coisa. O homossexual é aquele que sente atração pelo mesmo sexo, mas lida bem com o seu gênero, já, no transgenerismo, a questão a se lidar é com a identidade.
Outro P.S foi que, infelizmente não encontrei nenhum caso, que tenha se tornado público, de crianças trangêneros no Brasil.
É também válido lembrar que assim como existem pessoas que não concordam com o termo “opção sexual” ou então com o “orientação sexual”, existe também quem não concorda com o termo “transgênero” (mas sim com o “transexual”) por não considerarem a si como em trânsito entre gêneros, entendem que sua identidade de gênero sempre foi uma só e que foram designadas erroneamente.







Não se esqueça!

Mas é claro que no meio de todas essas histórias, sempre vem muitas discussões: Uma criança pequena já sabe o que realmente quer? Ainda mais num assunto tão tabu como esse? Como os pais devem reagir? Quem procurar? O que fazer?
Claro, porque tudo o que foge às regras promovidas pela sociedade, o que foge ao papel social imposto é visto com preconceito.
Mas o fato é que essas crianças existem e precisam, acima de tudo, de respeito.







Sugestão de filme: Ma vie en Rose



Com a tradução Minha vida em Cor-de-Rosa, o filme francês de Alain Berliner conta a história do menino Ludovic (Georges du Fresne) que acredita que nasceu no corpo errado. Em meio a tanto preconceito, o menino refugia-se do tormento em um mundo cor-de-rosa, onde só cabem a boneca Pam, uma Barbie, e o apoio afetivo da avó (Helene Vincent).



Confira um vídeo no You Tube:


http://www.youtube.com/watch?v=V_rwpU2ZPaw

MINHA VIDA EM COR-DE-ROSA
Título Original: Ma Vie en Rose
País de Origem: Bélgica/França/Inglaterra
Ano: 1997
Duração: 110min
Diretor: Alain Berliner
Elenco: Michele Laroque, Georges Du Fresne e Jean-Philippe Ecoffey








Texto Rayane Ataíde


*Trecho de música traduzido para o português, cantado pela pequena Jess, de seis anos no documentário My Secret Self - A Story of Transgender Children.
** Professor assistente de Pediatria na Harvard Medical School e Diretor Clínico da Divisão de Endocrinologia do Children’s Hospital, em Boston)

terça-feira, 1 de março de 2011

Sem justificativa.





Ninguém se importava com o frio que estava fazendo. Eu só me importava com o meu copo de uísque que já estava semivazio no balcão.
No canto do bar estava ele, ele e a putinha que ele tinha conhecido na véspera. Fumavam do mesmo cigarro e trocavam beijos.
Por favor, garçom. Mais uma dose.
Ontem ele me comeu.
O filho da puta me comeu e se satisfez.
A cama ainda está desarrumada olhando para meus poemas eróticos na parede. Eu cansei dessa imagem de arrogância e bravura.
Vou fumar um cigarro e beber meu uísque. Um brinde! Um brinde a idiota aqui que esquece o que ela pode ser.
O tempo ia parar você se lembra? Quando as coisas não eram amargas e o mundo era seguro. Você me guiou, me tocou com a sua língua e segurou os meus cabelos. Nos cobrimos com a aura da noite e a vontade da vida. A gente não soube cantar a mesma melodia nem sonhar no mesmo entardecer.
O som do meu cigarro se dispersou. Só porque eu tinha acreditado piamente que o pau dele dentro de mim iria fazer mais algum sentido.
Eu trago uma pedra dentro do meu peito apertado. Só sobraram alguns trocados e eu ainda não entendo por que ninguém se importa com o frio que está fazendo.



Rayane Ataíde